PARA OUVIR NA PLAYLIST
A Sinfonia Alpina de Richard Strauss — colossal jornada sonora pelas montanhas — é uma obra que exige muito da orquestra e do maestro. Não basta apenas tocar as notas; é preciso capturar a grandiosidade da natureza, a tensão da escalada, a beleza da chegada ao cume e a força da tempestade, tudo isso enquanto se revela a camada filosófica que Strauss embutiu na partitura. Com uma orquestração gigantesca (incluindo exotismos, como a máquina de vento), a obra pode facilmente soar apenas como um espetáculo bombástico. Encontrar o equilíbrio entre o descritivo e o profundo, entre a opulência sonora e a coerência sinfônica, é o desafio. Existem inúmeras gravações, mas poucas realmente escalam essa montanha com sucesso absoluto. Vamos então a quatro visões marcantes e indispensáveis desta obra fascinante, cada uma oferecendo uma perspectiva única sobre essa escalada musical.
◉ Rudolf Kempe, Staatskapelle Dresden (1973) - Comecemos com uma gravação frequentemente citada como exemplar, quase um ponto de partida obrigatório: Rudolf Kempe com a tradicionalíssima Staatskapelle Dresden (a mesma orquestra da vídeo-aula). Kempe foi mestre straussiano consumado, e oferece aqui uma leitura de referência. Seu andamento é equilibrado, permitindo que a música respire (a duração fica em torno dos 50 minutos, um padrão para muitas gravações posteriores), mas sem nunca perder o senso de direção. A grande magia está na sonoridade que ele extrai da Orquestra de Dresden: um som quente, detalhado, com uma clareza nas texturas que revela a riqueza da partitura sem soar congestionada. Os sopros são particularmente gloriosos. Kempe encontra a poesia e a narrativa na jornada, sem exageros, resultando numa Alpina humana e musicalmente muito satisfatória.
◉ Georg Solti, Orquestra Sinfônica da Rádio da Baviera (1979) - Se a abordagem de Kempe é equilibrada e poética, a de Georg Solti com a Orquestra da Rádio da Baviera é pura adrenalina. O impacto é visceral. Solti adota um andamento notavelmente rápido (cerca de 44 minutos), conferindo à escalada uma urgência e uma energia contagiantes. Onde Kempe busca a nuance e a integração, Solti parece focar na excitação crua e no poder orquestral. A sonoridade da excelente orquestra de Munique sob sua batuta é brilhante, potente e talvez menos sutil que a de Dresden com Kempe, mas perfeitamente adequada a essa leitura mais direta e enérgica. A famosa tempestade, por exemplo, é um dos pontos altos desta gravação, entregue com uma força quase brutal. Solti, mais conhecido talvez por suas gravações de ópera de Strauss, mostra aqui uma faceta diferente nos poemas sinfônicos, oferecendo uma Alpina eletrizante que contrasta fortemente com a visão mais lírica de Kempe.
◉ Bernard Haitink, Orquestra da Concertgebouw de Amsterdam (1985) - Bernard Haitink, à frente da suntuosa Orquestra da Concertgebouw, nos oferece uma Alpina classuda, de equilíbrio e clareza exemplares. Gravada na era digital, esta versão se destaca pela beleza sonora e pela lógica impecável da condução. O andamento de Haitink é semelhante ao de Kempe (próximo aos 50 minutos), mas a sensação geral é talvez um pouco mais sóbria, focada na arquitetura da obra. Ele evita os exageros e a grandiloquência fácil, preferindo construir a jornada com paciência e atenção à estrutura, o que revela a obra de maneira surpreendente. A sonoridade da Concertgebouw é simplesmente gloriosa, capturada com uma transparência que permite apreciar cada detalhe da complexa orquestração straussiana. Haitink, conhecido por sua integridade musical em um vasto repertório, entrega aqui uma Alpina majestosa, magnificamente tocada, ideal para quem busca a beleza sonora e a coerência estrutural acima de tudo.
◉ Richard Strauss, Orquestra Estadual da Baviera (1941) - Ora, ora, ora... Temos, aqui, o próprio autor. Além de grande compositor, Richard Strauss foi um destacado maestro. E viveu o suficiente para deixar a sua gravação da obra! É indispensável ouvir a visão do próprio criador. Gravada em Munique em 1941, esta gravação histórica oferece uma perspectiva única. O andamento de Strauss é surpreendentemente rápido, cerca de 45 minutos (próximo de Solti), focando claramente na estrutura e no fluxo narrativo, sem se demorar em paisagens sonoras. A sonoridade da Orquestra Estadual da Baviera, embora capturada com as limitações técnicas da época, transmite uma autenticidade inegável. A execução pode ter suas arestas comparada aos padrões modernos, mas a autoridade da condução pelo próprio autor nos faz dar especial atenção a esse registro, ainda que opaco e com brilho limitado. Ouvir Strauss regendo sua própria obra monumental é fascinante; percebe-se uma abordagem direta, muito objetiva, que valoriza o impulso narrativo em detrimento do sentimentalismo ou da pura beleza sonora. É uma aula sobre as intenções originais do compositor.
NO SPOTIFY
NO YOUTUBE-MUSIC