PARA OUVIR NA PLAYLIST
Quais gravações da Sinfonia Pastoral devemos ouvir? Uma escolha difícil, pois existem muitas versões disponíveis, das melhores orquestras com os melhores regentes. Existem as gravações comminstrumentos de época. Existem as gravações históricas. Meu desafio, aqui, foi listar alguns dos mais importantes registros dessa obra, para vocês verem como certos detalhes podem soar diferente, como se pode ganhar com uma leitura mais lenta quando se quer ouvir os detalhes e como nos sentimos no pulso da obra se o maestro for mais ágil.
No quesito velocidade, aqui temos uma obra na qual esse elemento é fundamental. Uma Pastoral mais rápida quase sempre não funciona. Essa música precisa respirar, precisa dos espaços de silêncio por entre os sons, precisa oferecer ao ouvinte a chance do deleite. Coisa que nem Herbert von Karajan, nem Arturo Toscanini, dois incensados intérpretes de Beethoven, conseguem. Por isso, não estranhem: esses dois nomes estão de fora! Isto posto, vamos a algumas das grandes Pastorais:
◉ KARL BÖHM, Orquestra Filarmônica de Viena, 1971 - Sabe aquela gravação sem problemas? O que os críticos chamam de gravação de referência? É essa. Tudo está colocado com o devido cuidado, a devida ênfase, no devido tempo. A música transcorre com um fluxo natural, o equilíbrio das sonoridades é magistral, os sopros — tão importantes nessa obra — soam maravilhosamente, as camadas do tecido sinfônico se ajustam perfeitamente. Aquela Pastoral de vitrine, para levar para a ilha deserta.
◉ BRUNO WALTER, Orquestra Sinfônica [da Gravadora] Columbia, 1958 - Antes da gravação do Böhm (acima) aparecer, esta era a gravação de referência. Igualmente bem equilibrada, com um fluxo ainda mais natural e empolgante. Walter, o velho aluno de Gustav Mahler, havia se estabelecido nos Estados Unidos, enxotado pela idiotia nazista; e lá a gravadora Columbia se apressou em juntar músicos excelentes, alguns oriundos das Filarmônicas de Los Angeles e Nova York, para formar uma orquestra de estúdio. Exatamente como, uma década antes, a rede NBC fez para ter uma orquestra disponível para registrar Toscanini. Gravações memoráveis foram feitas, incluindo essa inesquecível Pastoral.
◉ WILHELM FURTWÄNGLER, Orquestra Filarmônica de Viena, 1952 - Magia e sedução. Se você quer, realmente, entrar dentro da Pastoral, esta é a gravação. Embora o som não seja perfeito, pelas condições da época, o cuidado com o qual Furtwängler ressalta cada detalhe faz dessa versão a mais reveladora, a mais íntegra. Com seus andamentos moduláveis, o grande maestro ora atrasa o tempo, ora acelera, tudo em prol da melhor batida para que cada momento aconteça com perfeição. O que destrói a Pastoral nas mãos de Karajan e Toscanini é o andamento implacável, inflexível. Aqui temos o total oposto: o tempo da música está a favor dos detalhes. É a Pastoral dos sonhos, como ninguém mais soube fazer!
◉ LEOPOLD STOKOWSKI, Orquestra Sinfônica [da Rede] NBC, 1954 - Stokowski é super criticado por seus exageros. Maneirista, intervencionista, manipulador, sim ele era tudo isso. Mas o fazia com um amor à música que era inquestionável. A Cena à beira do riacho, segundo movimento da obra, é lentíssima, e pode não agradar a todos. A tempestade é violentíssima! Uma Pastoral polêmica, sem dúvida alguma. Anos antes desse registro, foi ele, Stokowski, o responsável pela gravação da pastoral utilizada no filme Fantasia, do Disney. Ali, Stokowski cortou e otimizou a partitura para que a música coubesse no tempo do filme. Aqui, ele toca a obra em sua completude, e é interessante ouvir como testemunho de um tempo no qual o maestro fazia da música o que bem entendia.
◉ CHRISTOPHER HOGWOOD, Orquestra da Academia de Música Antiga [de Londres], 1987 - Bem, se você quiser saber como a obra de Beethoven soava em 1808 quando foi criada, é preciso ouvir uma gravação com instrumentos originais de época. Nessa categoria, a minha escolha recai por sobre Hogwood. Os tempos são mais ágeis, como acontece com 11 de 10 maestros desse movimento da música historicamente informada. Mas Hogwood não exagera no acelerador, e nem produz um som muito seco, outro pecado de seus colegas do mesmo movimento. Os instrumentos era de sonoridade mais rascante, mas eu acho que eles carregam nisso para se opor ao som aveludado das orquestras tradicionais. Seja como for, Hogwood faz a Pastoral transcorrer lindamente, sem perder o lirismo.
◉ GLENN GOULD [versão para piano de Liszt], 1968 - Ao longo do século 19 a grande maioria das pessoas nunca conseguiu ouvir uma Sinfonia de Beethoven. As que ouviram, nem sempre o conseguiram tendo diante de si uma orquestra. Consta que Goethe quis ouvir obras de Beethoven, que havia adaptado o seu Egmont em música, e só pôde fazê-lo com um pianista tocando uma redução (partitura reduzida = se reduz da totalidade de instrumento para um só, o piano). Um dos responsáveis pela popularização da obra de Beethoven na segunda metade do século 19 foi Franz Liszt. Além de tocar as Sonatas, ele reduziu e fez pulbicar essas versões para piano das Sinfonias, para que todos pudessem conhecê-las. Para tocar a versão que um gênio fez da obra de outro gênio, precisamos de um teceiro gênio: Glenn Gould. A Pastoral flui pelas teclas do piano deliciosamente.