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É uym desafio escolher uma gravação da Terceira de Mahler! Estamos falando da maior sinfonia do repertório, tanto em duração quanto em ambição. É uma obra-colosso: precisa de uma contralto, um coro infantil, um coro feminino, trompas aos montes e nervos de aço dos músicos.
A sinfonia começa com o que Mahler chamava de o despertar da natureza — e termina com uma longa meditação sobre o amor como força essencial do universo. Numa obra que trata da criação e da consciência humanas, uma leitura inflexível destrói tudo. Por isso, os regentes que mais acertam aqui são os que se permitem flexibilidade: tempo maleável, transições orgânicas, e a coragem de deixar os sons respirarem. Regentes que apenas mantêm tudo “no tempo certo” produzem o oposto do que Mahler pretendia. Eis, pois, minhas Terceiras preferidas:
◉ LEONARD BERNSTEIN, Orquestra Filarmônica de Nova York, Martha Lipton, 1961 - A gravação definitiva. O mesmo intérptete que tivemos no vídeo da aula, só que lá foi com a Filarmônica de Viena, em 1976. Mas, saiba: aqui, anos antes, Bernstein estava com ainda mais ímpeto. Ele transpassa a Sinfonia de filosofia e êxtase, de maneira teatral. A orquestra parece empurrada por uma força sobrenatural. Os clímax são brutais, os silêncios, profundos, e o fluxo dramático, perfeito. Mesmo com tecnologia limitada da época, o som carrega uma energia insubstituível. O primeiro movimento, com sua marcha monstruosa, é moldado com garras e coração. O coral final, com metais suaves e emocionantes, ainda hoje comove como nenhum outro. Esta gravação é a revelação da Terceira Sinfonia como um todo. Ele fez outras, inclusive a que vimos em vídeo, mas nenhuma supera esta, que é a referência absoluta.
◉ MICHAEL GIELEN, Orquestra Sinfônica da Rádio de Stuttgart, Cornelia Kallisch, 1997 - Bernstein é o consenso. Gielen é minha escolha do coração. Uma leitura para quem busca a Terceira Sinfonia com todas as possíveis distorções emocionais: tudo que é estranho ou grotesco na partitura, ele destaca com ênfase. O primeiro movimento é uma erupção — ruidosa, complexa, tensa — e Gielen não suaviza nada. Ao contrário, ele realça o que há de mais brutal e menos “bonito” na música. Mas não se trata de descontrole: a execução é precisa, o arco dramático é muito bem traçado, e a condução carrega uma inteligência filosófica rara. Não é a gravação mais refinada, mas certamente é uma das mais radicais e reveladoras.
◉ ANDREW LITTON, Orquestra Sinfônica de Dallas, Nathalie Stutzman, 1999 - Eu adoro essa gravação pela contralto, a maravilhosa Nathalie Stutzman! Mas, aqui temos uma das grandes surpresas da discografia mahleriana: Litton conduz a obra sem firulas, sem medo da grandiosidade, ele entende exatamente o que Mahler quer quando pede exagero: quando a música exige vulgaridade e excesso, ele entrega — e a orquestra responde com entusiasmo. O Adagio final flui com naturalidade e é simplesmente maravilhoso. Litton conduz a Terceira com um senso dramático invejável.
◉ RICCARDO CHAILLY, Orquestra da Concertgebouw [de Amsterdam], Petra Lang, 2003 - Aqui temos o que talvez seja o registro mais belo — do ponto-de-vista da sonoridade — da Terceira de Mahler. A Concertgebouw toca com autoridade total: o próprio Mahler a regeu várias vezes, e parece que a orquestra ainda carrega isso nos ossos. Chailly conduz com precisão, mas também com sensibilidade, e a sonoridade do conjunto, especialmente nos sopros e metais, é de outro planeta. Destaque para o acorde final: um som saturado, nobre, quase religioso, como Mahler gostaria. Tudo soa elegante e com alma. Para quem busca beleza e tradição, eis a Terceira ideal.
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